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Jundiaí
sexta-feira, 26 abril, 2024

A velha senhora está fazendo 362 anos

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Hoje uma velha senhora, que já foi jovem, que tinha futuro incerto, e que nasceu sob circunstâncias nem sempre bem explicadas – quase uma bastarda, dir-se-ia – filha de pais bandeirantes (ou bandidos na visão de outros), que queriam conquistar novas terras e explorar suas riquezas.
Nasceu no século 17, pouco mais de 100 anos da descoberta do novo continente pelos bravos navegantes lusitanos. Novo continente em termos – um italiano já havia chegado desse lado oito anos antes. Italiano, genovês, patrocinado por reis espanhóis, eternos rivais de portugueses nos mares nunca dante navegados.
Mas essa senhora, um século e meio depois da descoberta da Terra de Santa Cruz, assumiu um papel importante para que os donos tomassem posse da terra – e uma coisa é ser dono, outro ter a posse. Era preciso sair daquele pedaço de chão perto do mar, vencer a serra, estabelecer-se no planalto. E isso eles fizeram rapidamente com a ajuda dos padres da Companhia de Jesus, os jesuítas.
Do planalto, outra vastidão a ser explorada, e essa senhora assumiu seu papel -era a porta do sertão, a última parada antes da aventura pelo desconhecido. Até que em 1655 o casal de bandeirantes (Petronilha Antunes e Rafael de Oliveira) por essas terras se estabeleceram. O fervor religioso dos lusitanos exigiu a construção de uma capela, que foi dedicada à Nossa Senhora do Desterro.
Em torno da capela apareceram as primeiras casas, primitivas ao extremo, que logo ganhou a condição de freguesia, e em seguida, a de vila. Até que quase dois séculos mais tarde tornou-se cidade. A ela, deram o nome de Jundiahy – derivado do peixe que abundava nos rios da região, o Jundiá, como os índios o chamavam.
Até então era uma região essencialmente agrícola e de passagem de tropas – embora a fama de receber tropeiros coube mais tarde a Sorocaba. Suas fazendas cultivavam principalmente o café, com braços escravos e quase nenhuma máquina para ajudar. Mas a escravidão estava sendo combatida, e de olho na necessidade de nova mão de obra, os fazendeiros conseguiram aprovar leis para que todo o país recebesse imigrantes.
A economia era meio morna até. Mas em 1867 os ingleses conseguiram inaugurar a São Paulo Railway (SPR – futura Estrada de Ferro Santos a Jundiaí) ligando a cidade ao Porto de Santos e passando pela capital da província, São Paulo. A estrada tinha uma única finalidade: transportar a produção agrícola (essencialmente café) para os navios atracados no porto, e daí para o mundo.
Cinco anos depois (1872), os fazendeiros paulistas se uniram com o governo da província e criaram a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ligando Jundiaí a Campinas, primeiramente, e depois a Rio Claro. Uma epidemia em Campinas fez que com que a sede da companhia fosse transferida para Jundiaí, e então a cidade ficou importante de fato – sede de duas empresas ferroviárias, as maiores do país.
Com o fim da escravidão (1888), os imigrantes vieram em maior quantidade, principalmente da Itália. E eles trouxeram novas idéias e novos conceitos, novas formas de encarar a vida. Ensinaram os paulistas a construir casas com tijolos, abandonando o barro amassado entre bambus; produziram portões com ferro, e portas e janelas com madeira – eram, acima de tudo, artistas.
Não foram tão reconhecidos a princípio – eram a mão de obra destinada à lavoura do café, paga com salários irrisórios e nem sempre respeitados, explorados nos armazéns de seus patrões e vistos como anarquistas – idéias italianas trazidas para cá não eram bem vindas. Aos poucos, esses italianos compraram terras e resolveram plantar uvas. Tiveram sucesso.
A partir do início do século 20 chegaram os imigrantes japoneses – o primeiro navio a aportar em Santos foi o Kasato Maru, em 1908. Tão ou mais tenazes que italianos (e espanhóis em portugueses em menor número), os japoneses mostraram o que era agricultura de verdade. De terras áridas tiravam o que podiam, e o custo era o sacrifício.
A imigração de pessoas com novas idéias mudou aos poucos a vocação dos paulistas, que continuaram agricultores, mas já viam com bons olhos a industrialização iniciada na Inglaterra tempos antes – a chamada Revolução Industrial. Se os ingleses usavam o vapor para mover máquinas, por que não os paulistas não fazerem o mesmo? A solução foi trazer máquinas.
Tudo ficou mais fácil. As máquinas chegaram em navios e foram colocadas nos trens. Por aqui, montaram-se fábricas para tudo. A Oficina Arens (no bairro da Vila Arens) cuidava de forjar e produzir coisas de ferro. Mais tarde, fundou-se a Companhia Agrícola (que acabou se tornando Sifco, e hoje é a Dana) para produzir enxadas e discos de arados.
As tecelagens passaram a dominar a paisagem com suas chaminés no começo do século passado.
Havia muitas, o que significava empregos, que por sua vez significavam riqueza, que era levada para o comércio e para a prestação de serviços – a receita ideal para o crescimento.
O decorrer do tempo obrigou Jundiaí a mudar seu norte. Se numa época as fábricas eram chamadas “motor da economia”, e muitas delas deixaram de existir, a cidade voltou-se para uma vocação que andava escondida – a logística. E a logística tinha lógica: Jundiaí está num lugar estratégico, ligada às principais rodovias do país, perto de aeroportos e ligada diretamente ao Porto de Santos. Ainda – foi o que sobrou dos trens.
A agricultura acompanhou tal desenvolvimento e convive em paz com empresas e empreendimentos imobiliários. Continua sendo a Terra da Uva, embora nela se plante também caqui, café, figo, morango, laranja e muitas verduras, como alface, agrião, rúcula e almeirão.
A cidade já foi maior em território. Até 1948, Vinhedo era Jundiaí e atendia pelo nome de Distrito da Rocinha. Até 1965, Itupeva, Várzea, Louveira e Campo Limpo eram distritos, mas ganharam independência, foram emancipadas como cidades. Hoje Jundiaí pode ser vista não como a mãe de todas, mas como uma irmã mais velha, uma conselheira até.
Os tempos nostálgicos acabaram. Não existe mais o trem Maria Fumaça da Estrada de Ferro Sorocabana que saía todos os dias às seis da manhã do lado externo da estação ferroviária na Praça Mauá (ou largo da estação, como se dizia) levando pescadores jundiaienses para Itupeva ou Itaici – o Rio Jundiaí tinha peixes ainda. E a velha Maria Fumaça seguia seu trajeto por onde hoje está a avenida dos Ferroviários.
Não há mais também as passagens numeradas nos luxuosos carros de 1ª classe da Companhia Paulista (que depois se transformou em Fepasa); nem os carros Pullman para os mais abastados; nem os vagões-restaurante ou vagões-dormitórios, onde casais de amores proibidos perpetravam suas aventuras em longas viagens noturnas para o interior.
As praças mudaram, ganharam outras finalidades. Antes ponto de encontro das famílias, precisaram se adaptar aos tempos de vadiagem, de malandragem e de ambulantes. A Praça Pedro de Toledo (da Matriz), por exemplo, recebia os passageiros da Viação Cometa (destino São Paulo) – as passagens eram vendidas no antigo Bar do Napoleão.
Recebia também passageiros para o interior, serviços pelo Expresso Brasileiro, ou pelo Expresso de Prata e depois pela Viação Caprioli. Estava de frente para a praça, na rua do Rosário, umas das funerárias mais tradicionais, a Madeira, que dividia a freguesia de defuntos com a Bonifácio, que ficava na rua Vigário.
Nem caberia hoje a fonte luminosa outrora instalada na Praça Marechal Floriano Peixoto – e hoje a praça é mais conhecida como a do Coreto, nos fundos da Catedral. Nem a Prefeitura contrataria hoje os calceteiros para deixar em ordem as ruas, todas de paralelepípedos, quando calçadas, ou de terra batida, muitas vezes regadas com vinhoto para assentar a poeira.
Nem passam mais as boiadas pela rua Brasil em direção às fazenda da região do Castanho – tudo aqui se transformou em estrada velha de São Paulo, rebatizada nos anos de chumbo como Rodovia General Milton Tavares e mais uma vez rebatizadas, nos tempos brandos, como Rodovia Tancredo Neves.
Nem se nada nem se pesca nas águas do Rio Guapeva, que antes de chegar à Cica (Companhia Industrial de Conservas Alimentícias), era chamado de Rio Mazalli. Culpa das olarias da família Mazalli instaladas ao seu lado. E ao chegar à Cica, na rua São Luiz, havia grandes, por onde não passavam nadadores nem moleques com suas jangadas construídas com troncos de bananeira.
Chácaras ás margens de rodovias deram lugar a restaurantes e motéis. E como há motéis em Jundiaí ou perto da cidade. O primeiro foi o 46 – um longo caminho para os apaixonados amantes, que precisavam ir até o km 46 da Anhanguera. O retorno era sete 13 quilômetros à frente, em Jordanésia. Vieram outros, até que se construiu o imponente castelo ao qual deram o nome de Excalibur, onde o rei Artur pouco teria a fazer.
Vieram os prédios, cada vez mais altos, que encobriram de vez o Credi City. Onde era a Fábrica de Tecidos São Bento, na Vila Arens, está um dos maiores condomínios da cidade. Onde era outra fábrica de tecidos, a São Jorge, está um supermercado. E mais recentemente – mas nem tanto – a fábrica que exportava tecidos para o mundo e vendia o que produzia, inclusive jeans, para todo o Brasil – transformou-se num complexo – um nome talvez inadequado, tal qual outro complexo, o da Fepasa.
Agências bancárias estão por toda a parte. Foi-se o tempo em que era importante ter conta no Banco do Brasil ou na Caixa, apesar da concorrência dos bancos particulares, como o de Crédito Nacional, o Mercantil de São Paulo, o da Lavoura de Minas Gerais, o Comind… tempos em que era preciso pegar uma ficha de metal e esperar ser chamado pelo caixa.
Caixa que fazia os lançamentos em ficha, anotando créditos (raros) e débitos (bem frequentes) e apontando o saldo – coisa que foi substituída anos mais tarde pelas máquinas de contabilidade, onde imperava a marca NCR. Nos balcões, calculadoras manuais Facit, que ajudavam a clientela conferir suas contas.
A modernidade trouxe vantagens e problemas. Jundiaí recebeu muita gente de outros lugares nos últimos tempos – não mais se cumprimenta conhecidos na rua. Bem diferente dos tempos em que maldosamente se dizia que ninguém se cumprimentava para que, quem fosse de fora, aqui era cidade grande e ninguém se conhecia.
A modernidade substituiu fábricas antigas, ultrapassadas, poluentes e barulhentas, por tecnologia de ponta. Até os componentes eletrônicos de última geração para computadores e smartphones são fabricados em Jundiaí. A Coca-Cola tem na cidade sua maior fábrica das Américas, e, ironia do destino, bem em frente à concorrente Ambev, dona da marca Pepsi-Cola.
Concorrente? A velha Turbaína, fabricada há décadas pela Ferráspari (que continua no mesmo lugar) resiste à investida. Outras fabricantes de bebidas se foram, como a Caldas, quase em frente da Ferráspari.
O “campo de aviação”, que se resumia a uma pista de terra quando se fundou o Aeroclube de Jundiaí em 1941, tornou-se importante demais – agora é um aeroporto estadual, onde estão instalados hangares e oficinas que atendem a aviação geral. O que antes foi aventura, tornou-se algo extremamente profissional.
Quintais, antes enormes e povoados de hortas e pomares, foram aproveitados para novas construções. E ainda hoje há desses terrenos gigantes, onde estão casas da mesma família – os filhos que se casam e passam a morar perto dos pais. Ou até de sogros.
E essa cidade, que agora chega aos 362 anos, tem tudo para se tornar uma baronesa no Estado. Já é a 8ª economia paulista, e de tempos em tempos novas empresas anunciam sua chegada – o que significa mais receita e mais empregos. Exatamente como a receita ideal de crescimento dos velhos tempos: a fábrica que gera riquezes e empregos, que dá a quem trabalha condição de comprar, que faz o comércio e o prestador de serviços crescer. É um círculo vicioso, indestrutível, imutável.
Não é mais a velha Jundiaí dos tempos em que qualquer inauguração ou evento precisava de ter autoridades. Pela ordem, considerava-se autoridades o prefeito, o presidente da Câmara, o juiz, o vigário e o gerente das Casas Pernambucanas.
Não é mais a Jundiaí dos tempos do Arquimedes (Lázaro de Almeida), dono da Pharmácia Progresso, na Vila Arens, que contava piadas no salão paroquial do bairro, que atendia a qualquer hora do dia e da noite e que de quebra ainda era vereador, sem salário. Arquimedes foi o que mais tempo presidiu a Câmara. Tinha cacife para isso – um de seus feitos foi a criação da Guarda Municipal em 1949.
Também não é mais a Jundiaí dos grupos escolares, que tinha professores como Paulo Mendes Silva. Ou diretores como Nassib Cury. Tempos em que o Sesi (Serviço Social da Indústria) mantinha armazéns em diversos lugares e vendia artigos que hoje estão nos supermercados a preço de banana.
Tempos em que açougueiros davam de presente à molecada a gordura do boi para que as bolas de capotão, protagonistas das “pelejas” nos campos de “rapadão”, fossem ensebadas. E os mesmos açougueiros doavam a quem quisesse o bucho do boi (agora transformado em dobradinha, cara, por sinal), o coração, a língua, os rins e até o fígado. A Jundiaí de hoje, como todas as cidades, vende tudo, até os ossos dos pobre bovinos.
Acabaram-se as feiras-livres onde galos, patos e galinhas eram vendidos vivos para serem terminados de criar nos quintais, engordando para alguma ocasião especial. Tempos em que se vendiam também pintainhos, dados como presente às crianças, e que, uma vez crescidos, eram impiedosamente abatidos para sustento da família.
Tempos em que velórios eram feitos nas casas do falecido (não só galos, galinhas e patos morriam), identificadas com o luto de um pano preto estendido em sua porta – algumas funerárias chegaram a exagerar, colocando o pano preto com uma cruz amarela no centro.
Talvez a fé não fosse tão difusa como nos tempos atuais. Templos que não fossem católicos eram chamados de tendinhas protestantes – quando pouco se conhecia da reforma (ou protesto) de Martinho Lutero. Bem diferente dos tempos atuais, onde todos os segmentos religiosos convivem em paz, em busca do mesmo ideal. Ou do mesmo objetivo.
Ninguém sabe como será o futuro. Certamente bem diferente de tudo o que já vimos. E quem sabe um dia seremos chamados de metrópole?

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