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quinta-feira, 28 março, 2024

Algumas considerações sobre a homeopatia

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Oscillococcinum. Talvez você nunca tenha ouvido falar nesse medicamento vendido em diversas farmácias do país. De acordo com a bula, ele é composto de açúcar (sacarose e lactose) e um extrato de anas barbárie hepatis et cordis 200K. Mas você também não deve saber do que se trata esse extrato. Não importa. O que importa é o 200K que se encontra na frente desse extrato. Essa unidade quer dizer que a probabilidade de você encontrar uma molécula do extrato nesse medicamento é uma parte em 10…0 (quatrocentos zeros depois do um). Para se ter uma ideia do que esses números representam, a probabilidade de se acertar na megasena jogando apenas 6 números é uma em 50 milhões. Assim, definitivamente, quando você gasta algumas centenas de reais para comprar esse medicamento, você está apenas pagando por um dos açúcares mais caros do mundo.
A homeopatia, termo derivado das palavras gregas homeo (semelhante) e pathos (sofrimento), foi criada por Samuel Hahnemann no fim do século 18 e estabelece que substâncias que causem sintomas parecidos a uma dada enfermidade podem também ser utilizadas para curar a própria enfermidade – semelhante cura semelhante. Um metaestudo recente mostra que essa hipótese de medicina alternativa não conseguiu demonstrar em mais de 200 anos a sua eficiência em um teste duplo-cego, por exemplo [1]. Nesse teste, um remédio ou placebo é administrado a dois grupos de pessoas escolhidas aleatoriamente. No entanto, nem as pessoas que recebem a pílula e nem as que a administram sabem se estão dando ou recebendo remédio ou placebo. Uma terceira pessoa, que tem o controle do que foi dado, analisa os resultados. Segue que após uma análise estatística a homeopatia não sobrevive à denominação de placebo.
Os adeptos da homeopatia, ao defenderem a adoção desta modalidade de medicina alternativa, comumente se reportam a artigos publicados em revistas de pequeno impacto na comunidade científica ou especializados unicamente na disseminação da homeopatia. Algumas justificativas teóricas para fundamentar a causa do seu funcionamento esbarram em frases como “a homeopatia sabidamente atua de forma frequencial, energética, e não química” [2]. Se você não entendeu isso, não se preocupe. Provavelmente ninguém saberá mesmo explicar o que isso significa sem recorrer a esoterismos como medicina quântica ou energia vital, por exemplo. Mas afinal, como não há efeito sem causa, de onde vem a suposta ação curadora da água dos medicamentos homeopáticos?
Para não dizer que nunca houve um artigo a favor da homeopatia publicado em uma revista de grande impacto, em 1988, Jacques Benveniste, um médico imunologista francês, publicou um artigo na revista Nature [3] – uma das mais conceituadas revistas de ciência no mundo – descrevendo um experimento onde ele identificava um princípio chamado de “memória da água”, ou seja, alguma substância em contato com a água deixa a sua “impressão digital” de maneira que essa substância não mais precisa estar presente fisicamente na amostra: a água, agora, tornou-se uma água modificada. Em outras palavras, a água possui de alguma maneira as propriedades curativas da substância que esteve em contato com ela. E novamente, não se preocupe se você achar que isso não faz nenhum sentido, pois após a publicação do artigo de Benveniste, a Nature recebeu diversos artigos desmentindo o experimento dele, até que se descobriu que o motivo de Benveniste encontrar um resultado positivo para essa “memória da água” foi o descarte deliberado dos resultados que davam resposta negativa [4].
Desde o fim de 2016 os remédios homeopáticos nos Estados Unidos saem com um aviso de que “não há evidência científica de que este produto funcione”. Um metaestudo recente publicado em março de 2015 pelo Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica do governo australiano [1] analisou as bases de dados de publicações médicas em busca de artigos de revisão sobre homeopatia entre 1 de janeiro de 1997 e 3 de janeiro de 2013 e que estavam escritos em inglês. As principais conclusões desse estudo do governo australiano são:
– Não há evidência confiável de que a homeopatia é efetiva para tratar problemas de saúde.
– Homeopatia não deve ser utilizada para tratar problemas de saúde crônicos, graves ou que possam vir a se tornar graves.
-Pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar a sua saúde em risco se recusarem ou postergarem os tratamentos para os quais existam evidências positivas de segurança e eficiência.
A verdade é que existe uma grande quantidade de dinheiro envolvida na indústria de medicamentos homeopáticos. De acordo com o El País [5], somente na Espanha a multinacional homeopática francesa Boiron (ela produz o Oscillococcinum) faturou 60 milhões de euros em 2011. Seria, porém, muito importante que o governo brasileiro, semelhante ao que foi feito nos Estados Unidos e Austrália, fizesse alguma campanha de conscientização da população a respeito da falta de evidência científica confiável que ateste a eficiência do medicamento homeopático. No momento em que pessoas começam a interromper tratamentos cientificamente comprovados da medicina tradicional ou a parar de vacinar os seus filhos, o que antes era inócuo passa a ter sérias consequências na sociedade e, portanto, é absolutamente necessário que haja algum tipo de campanha para se evitar problemas futuros.
Marcelo Takeshi Yamashita é doutor em física pela USP e professor do Instituto de Física Teórica da Unesp.

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